quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Descrição de um objeto "O BUSÃO DO LULÃO"






Depois de levar advertências na coordenação do colégio por causa dos meus atrasos nas aulas, meu pai resolveu me apresentar um novo meio de transporte, pois ele não conseguia me deixar em tempo no colégio. Obrigada a acordar mais cedo, sem direito a pedir mais cinco minutos para dormir, porque o danado do transporte passaria na hora marcada.

Minha casa localizava-se há duas ruas da principal Avenida de João Pessoa, dando para ouvir o barulho dos carros e, assim, presumir a chegada do transporte. Meus olhos estampavam as olheiras, mostrando meu cansaço. Comecei a ouvir um barulho, parecia mais um caminhão chegando, daqueles caindo aos pedaços. Quando dobrou a esquina, pude avistar um microônibus, fiquei parada sem acreditar que ia andar naquela coisa jurássica e minha mãe confirmou sorrindo.

Vinha numa lentidão e nem eu tinha mais certeza se ia chegar ao colégio daquele jeito. A porta abriu e fui entrando. Comecei a sacolejar sem querer, vendo os outros tremendo com o movimento do ônibus. Sentei, sentindo a vibração dos pés à cabeça e observando as coisas ao meu redor: fitas coloridas amarradas no teto, um painel com brincos perdidos, adesivos do Flamengo e um painel de avisos.

Passando os dias ia percebendo melhor o que ele possuía. Perto do motorista pude ver uma placa com o ano daquela antiguidade: 1976, quando ainda eu nem estava sendo planejada para nascer. Tinha frases irônicas coladas: “Devagar se vai ao longe”. Mas esse devagar era o extremo. Só para ter uma noção, quando passava naquelas lombadas eletrônicas, nem diminuía a velocidade e marcava 16 km/h. De certeza atrapalhava o trânsito.

Consegui me lembrar dos meus colegas indo nesse ônibus, há uns anos, o famoso “busão do Lulão”. Para eles era divertido, mas me irritava! Não tinha nem como tirar um cochilo de casa até o colégio do chato barulho e da tremedeira.

O gingado dele para um lado e para o outro remexia meu estômago e a palidez tomava conta do meu rosto. Como no painel de avisos tinha dizendo que não podia sujar o chão e nem colocar a cabeça para o lado de fora, eu fiquei com receio, mas não agüentei, vomitei dentro. Todos olhavam com vontade de rir. O chão todo sujo, com os ingredientes do café da manhã. Eu nem liguei, porque a culpa não era minha, era dele! A gritaria tomou conta da situação e finalmente a geringonça resolveu parar. A ajudante, a mulher do motorista, se aborrecia com tudo, imagina com meu vômito! Lá foi ela limpar. Divertidíssimo vê-la limpando. Achei pouco? Claro que não. Não gostava dela mesmo. Todos a chamavam de Gracinha, de gracinha não tinha nada e eu a chamava de Gração.

Por incrível que pareça, chegava na escola dentro do horário e na volta para casa sabia da minha obrigação de voltar naquele ônibus ambulante. Que saco! Não havia outro jeito mesmo. Na volta até me divertia e as pessoas também, até porque Gração não voltava conosco.

Aos poucos fui me acostumando com a idéia, ele não me dava mais náusea, apesar de, ainda, me deixar acordada quando o sono vinha e na volta me matava de fome, parecendo mais devagar do que pela manhã e um calor infernal, não sendo mais um microônibus, mas sim o microondas.

Como a mais velha, eu criei uma brincadeira chamada “o surf do busão do Lulão”. Ficávamos em pé enquanto ele andava, sem poder apoiar as mãos nos bancos e quem caísse primeiro sairia do jogo. O motorista nem brigava com a gente.

Mesmo tendo seus defeitos passei a gostar dele, passando a aceitar o seu jeito. No dia do aniversário de trinta anos do ônibus fizemos uma festa, com direito a balão, bolo e refrigerante. E pedi para ler um poema que tinha feito. Fui ler lá na frente toda sorridente:

—Senhor Lulão, que é dono do busão, o busão do Lulão. Dono do barrigão e pai do busão que deixa a gente com uma fome do cão. Parabéns por esse dia. Mais um ano do busão do Lulão.
Aplausos. O motorista pediu para eu colar no painel de avisos. No dia seguinte vi meu poema todo riscado de caneta vermelha, dizendo: “Sejam mais educados e menos infantis. Quem fez isso vai levar uma advertência para casa! Assinado: Gracinha.” . Que raiva! Pois a apelidei de Desgraça. E a advertência nem chegou.

Perto de chegar em casa o danado parou, quebrou mesmo, fiquei torrando lá dentro até ser consertado. Não adiantou de nada, nem empurrando ele pegava. Até que fui a pé para casa e na manhã seguinte ele não apareceu para me pegar. Tive que ligar e receber a notícia que a lata velha não prestava mais e que cada um fosse procurar uma outra maneira de ir e voltar do colégio.

Senti falta de seu barulho irritante, seu gingado insubstituível e sua maneira atípica de me divertir com o “surf do busão do Lulão”.





2 comentários:

D. disse...

Amigaaaaaa, achei seu blog no perfil do orkut. Vou colocar o seu nos meu favoritos!!
=********

Silvio Melo disse...

Que massa......rsrsrs....