quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Nós seis às avessas


Vindo da capital paraibana para a cidade de Campina Grande para estudar, não sinto tanta diferença da criação da minha família sergipana e da cidade de João Pessoa, a qual eu cresci. Um estilo de vida relativamente igual, comércio movimentado, universidades, trânsito agitado e nada de diferente até o momento. Ao chegar ao novo prédio, conheço novas pessoas, estudantes de várias partes do Nordeste, cidades que nem mesmo tinha ouvido falar. Várzea(PB), Condado(PB), Afogados da Ingazeira(PE), São José do Egito(PE), Milagres(CE), Barbalha (CE), entre outras que no momento nem me vêm a cabeça.
Culturas com diferenças claras, vistas pelos olhos da sociedade, mesmo fazendo parte de uma mesma região. Ao chegar ao novo apartamento a conversa começa a se desenrolar:
— O açude de Várzea sangrou e tão dizendo que vai embora!- grita Helyssa, uma das meninas que mora comigo, ao telefone com sua mãe.
E eu sem entender nada, fico na minha com uma feição de desentendida, e pergunto:
— Como assim o açude vai embora? Sangrou?
Todas as cinco meninas riem de mim, sem parar. E eu? Sem entender nada. Daí a explicação começa. E uma delas fala:
— Esse povo da capital! Não teve infância, nunca tomou banho de açude, não sabe nem o que é bom. Nunca correu atrás de galinha, nem brincou na rua sem hora para voltar, nem andou pelas estradas do sítio de pés descalço, e muito menos andou numa carroça de jegue....
— Não minha gente que preconceito, eu tive infância sim. Eu ia ao shopping, andei de bicicleta no prédio, ia à praia, mesmo que fosse trancada em casa brincando de boneca.
—Ahhh...minha gente.. vamos parar que ela já tá ficando amuada, vamos xalerar a bichinha.- diz Jane, uma das meninas.
E eu mais uma vez um peixe fora d`água:
— Amuada? Xalerar. Eita, pega, eu não entendo é nada do que vocês falam.
— Pega? O que é isso no jogo do bicho? Depois é a gente que fala esquisito.- diz Fernanda, a galega.
— Ah, tá bom minha gente vamos comer, é uma das únicas coisas que fazemos igual. Vou preparar meu cuscuz de arroz...
— De arroz? Branco desse jeito? Isso é massa de tapioca!- diz Manu, a condadense.
— Deixe de ser matuta, Manu. É feito que nem o cuscuz de milho, e é muito gostoso. Quem vai ser a primeira vítima a experimentar o prato?
— Jamais. Prefiro meu cuscuz amarelo mesmo... – diz Fernanda, varzeense.
— Então experimentem meu bolachão vindo diretamente do Sobrado (SE), delícia!
Só a guarabirense, Itaiana aprovou a iguaria. As outras só fizeram morder e cuspir, dizendo que era de canela, coisa que não tinha nada a ver com os ingredientes:
— Isso tem canela até na China, só acredito vendo.- diz Jane, a mais varzeense de todas.
A conversa não tem fim e a cada dia se torna um exercício relativizador, conhecemos o diferente e tentamos aceitá-lo. A diferença existe, são culturas distintas e não devemos achar o outro superior por ter crescido numa capital ou em qualquer outro lugar, mas sim tentar observar e aceitar o que tem de diferente no outro. Pois vivemos numa sociedade em constante “Bricolagem”.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Saudade que insiste...


Hoje, o céu amanheceu cinza, um frio, uma pregui

ça insistente. No caminho para a faculdade, nada de diferente, os carros passam, você atravessa,... tudo muito normal..ou itediante como queira. Tudo isso se repete todos os dias da semana, só o sol que alterna com as nuvens e as cores do dia se misturam ao stress ou a tranquilidade. Daí bate a saudade de casa, dos velhos amigos, das pessoas que perdi, de tudo que já passei...da velha infância sem um pingo de preocupação. Ahh..que saudade mais chata, não é? Como tudo era bom e sempre queria ser gente grande..ah se eu soubesse.

A aula um tédio, seminário... um sono itediante, mas eis que surge uns slides legais sobre Síndrome de Down e toca a alma ver aqueles sorrisos inoscentes, cheios de carinho e de afeto. Do que reclamo? Um dia que se repete pouco entre os outros que acordo tão feliz da vida. Mas as vezes é bom pra refletir e tentar melhorar o que tá de errado.

A vontade aumenta de querer ouvir a voz de alguém que você ama muito,...uma agonia que só eu sei... a saudade vai se prolongando. Lembro de toda a família, do quanto meus pais crêem em mim e penso de que nada sou capaz. Nossa nunca fui tão deprimente...

Daí volto para casa, a mesma coisa... durmo a tarde inteira e acordo. tudo do mesmo jeito, mas até que muito feliz. Não sei o porquê..nem me pergunte, mas penso...vivo por mim e pelas pessoas que acreditam na minha capacidade, são minha motivação...sei que n devo nada a ninguém. Amanhã...pode ser chuva, sol... nada melhor que um dia após o outro. Agradeço todos os dias pela saúde e pela família de ouro que tenho. Apesar de distantes, sabem o quanto os amo e o quanto lembro de cada um a cada dia que me deito para dormir a cada céu nublado ou ensolarado que vir...

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Descrição de um objeto "O BUSÃO DO LULÃO"






Depois de levar advertências na coordenação do colégio por causa dos meus atrasos nas aulas, meu pai resolveu me apresentar um novo meio de transporte, pois ele não conseguia me deixar em tempo no colégio. Obrigada a acordar mais cedo, sem direito a pedir mais cinco minutos para dormir, porque o danado do transporte passaria na hora marcada.

Minha casa localizava-se há duas ruas da principal Avenida de João Pessoa, dando para ouvir o barulho dos carros e, assim, presumir a chegada do transporte. Meus olhos estampavam as olheiras, mostrando meu cansaço. Comecei a ouvir um barulho, parecia mais um caminhão chegando, daqueles caindo aos pedaços. Quando dobrou a esquina, pude avistar um microônibus, fiquei parada sem acreditar que ia andar naquela coisa jurássica e minha mãe confirmou sorrindo.

Vinha numa lentidão e nem eu tinha mais certeza se ia chegar ao colégio daquele jeito. A porta abriu e fui entrando. Comecei a sacolejar sem querer, vendo os outros tremendo com o movimento do ônibus. Sentei, sentindo a vibração dos pés à cabeça e observando as coisas ao meu redor: fitas coloridas amarradas no teto, um painel com brincos perdidos, adesivos do Flamengo e um painel de avisos.

Passando os dias ia percebendo melhor o que ele possuía. Perto do motorista pude ver uma placa com o ano daquela antiguidade: 1976, quando ainda eu nem estava sendo planejada para nascer. Tinha frases irônicas coladas: “Devagar se vai ao longe”. Mas esse devagar era o extremo. Só para ter uma noção, quando passava naquelas lombadas eletrônicas, nem diminuía a velocidade e marcava 16 km/h. De certeza atrapalhava o trânsito.

Consegui me lembrar dos meus colegas indo nesse ônibus, há uns anos, o famoso “busão do Lulão”. Para eles era divertido, mas me irritava! Não tinha nem como tirar um cochilo de casa até o colégio do chato barulho e da tremedeira.

O gingado dele para um lado e para o outro remexia meu estômago e a palidez tomava conta do meu rosto. Como no painel de avisos tinha dizendo que não podia sujar o chão e nem colocar a cabeça para o lado de fora, eu fiquei com receio, mas não agüentei, vomitei dentro. Todos olhavam com vontade de rir. O chão todo sujo, com os ingredientes do café da manhã. Eu nem liguei, porque a culpa não era minha, era dele! A gritaria tomou conta da situação e finalmente a geringonça resolveu parar. A ajudante, a mulher do motorista, se aborrecia com tudo, imagina com meu vômito! Lá foi ela limpar. Divertidíssimo vê-la limpando. Achei pouco? Claro que não. Não gostava dela mesmo. Todos a chamavam de Gracinha, de gracinha não tinha nada e eu a chamava de Gração.

Por incrível que pareça, chegava na escola dentro do horário e na volta para casa sabia da minha obrigação de voltar naquele ônibus ambulante. Que saco! Não havia outro jeito mesmo. Na volta até me divertia e as pessoas também, até porque Gração não voltava conosco.

Aos poucos fui me acostumando com a idéia, ele não me dava mais náusea, apesar de, ainda, me deixar acordada quando o sono vinha e na volta me matava de fome, parecendo mais devagar do que pela manhã e um calor infernal, não sendo mais um microônibus, mas sim o microondas.

Como a mais velha, eu criei uma brincadeira chamada “o surf do busão do Lulão”. Ficávamos em pé enquanto ele andava, sem poder apoiar as mãos nos bancos e quem caísse primeiro sairia do jogo. O motorista nem brigava com a gente.

Mesmo tendo seus defeitos passei a gostar dele, passando a aceitar o seu jeito. No dia do aniversário de trinta anos do ônibus fizemos uma festa, com direito a balão, bolo e refrigerante. E pedi para ler um poema que tinha feito. Fui ler lá na frente toda sorridente:

—Senhor Lulão, que é dono do busão, o busão do Lulão. Dono do barrigão e pai do busão que deixa a gente com uma fome do cão. Parabéns por esse dia. Mais um ano do busão do Lulão.
Aplausos. O motorista pediu para eu colar no painel de avisos. No dia seguinte vi meu poema todo riscado de caneta vermelha, dizendo: “Sejam mais educados e menos infantis. Quem fez isso vai levar uma advertência para casa! Assinado: Gracinha.” . Que raiva! Pois a apelidei de Desgraça. E a advertência nem chegou.

Perto de chegar em casa o danado parou, quebrou mesmo, fiquei torrando lá dentro até ser consertado. Não adiantou de nada, nem empurrando ele pegava. Até que fui a pé para casa e na manhã seguinte ele não apareceu para me pegar. Tive que ligar e receber a notícia que a lata velha não prestava mais e que cada um fosse procurar uma outra maneira de ir e voltar do colégio.

Senti falta de seu barulho irritante, seu gingado insubstituível e sua maneira atípica de me divertir com o “surf do busão do Lulão”.





Você escolhe...



Chocante, não é? A triste realidade daqueles que são ou foram vítimas da AIDS. Um simples ato, que pode salvar sua vida: usar camisinha. Claro, que não se resume só nisso, mas já é um bom começo para não se perder nesse caminho sem volta.