Culturas com diferenças claras, vistas pelos olhos da sociedade, mesmo fazendo parte de uma mesma região. Ao chegar ao novo apartamento a conversa começa a se desenrolar:
— O açude de Várzea sangrou e tão dizendo que vai embora!- grita Helyssa, uma das meninas que mora comigo, ao telefone com sua mãe.
E eu sem entender nada, fico na minha com uma feição de desentendida, e pergunto:
— Como assim o açude vai embora? Sangrou?
Todas as cinco meninas riem de mim, sem parar. E eu? Sem entender nada. Daí a explicação começa. E uma delas fala:
— Esse povo da capital! Não teve infância, nunca tomou banho de açude, não sabe nem o que é bom. Nunca correu atrás de galinha, nem brincou na rua sem hora para voltar, nem andou pelas estradas do sítio de pés descalço, e muito menos andou numa carroça de jegue....
— Não minha gente que preconceito, eu tive infância sim. Eu ia ao shopping, andei de bicicleta no prédio, ia à praia, mesmo que fosse trancada em casa brincando de boneca.
—Ahhh...minha gente.. vamos parar que ela já tá ficando amuada, vamos xalerar a bichinha.- diz Jane, uma das meninas.
E eu mais uma vez um peixe fora d`água:
— Amuada? Xalerar. Eita, pega, eu não entendo é nada do que vocês falam.
— Pega? O que é isso no jogo do bicho? Depois é a gente que fala esquisito.- diz Fernanda, a galega.
— Ah, tá bom minha gente vamos comer, é uma das únicas coisas que fazemos igual. Vou preparar meu cuscuz de arroz...
— De arroz? Branco desse jeito? Isso é massa de tapioca!- diz Manu, a condadense.
— Deixe de ser matuta, Manu. É feito que nem o cuscuz de milho, e é muito gostoso. Quem vai ser a primeira vítima a experimentar o prato?
— Jamais. Prefiro meu cuscuz amarelo mesmo... – diz Fernanda, varzeense.
— Então experimentem meu bolachão vindo diretamente do Sobrado (SE), delícia!
Só a guarabirense, Itaiana aprovou a iguaria. As outras só fizeram morder e cuspir, dizendo que era de canela, coisa que não tinha nada a ver com os ingredientes:
— Isso tem canela até na China, só acredito vendo.- diz Jane, a mais varzeense de todas.
A conversa não tem fim e a cada dia se torna um exercício relativizador, conhecemos o diferente e tentamos aceitá-lo. A diferença existe, são culturas distintas e não devemos achar o outro superior por ter crescido numa capital ou em qualquer outro lugar, mas sim tentar observar e aceitar o que tem de diferente no outro. Pois vivemos numa sociedade em constante “Bricolagem”.